Princípios da termografia
Aqui descrevem-se os princípios da termografia como implementados pelas modernas câmaras de termografia.
A descoberta da radiação infra-vermelha
Em 1800, o alemão Friedrich Wilhelm Herschel, mais conhecido por de astrónomo do rei inglês, George III, e descobridor do planeta Úrano, procurava um meio de proteger seus olhos quando observava o Sol através de telescópios e, ao testar amostras de vidros coloridos, observou que algumas deixavam passar mais calor que outras. Com o auxílio de um prisma e três termómetros de mercúrio com os bolbos pintados de preto, Hershel mediu a temperatura das várias componentes de cor da luz do sol refratados através do prisma e incididos em um anteparo. Notou um aumento de temperatura da cor violeta para a cor vermelha, como havia sido observado anteriormente por Landriani, entretanto, observou também que o maior pico de temperatura ocorria na região escura, além do vermelho. Com isso concluiu que existia, naquela região, luz invisível aquecendo os termómetros. À região deu o nome de Espectro Termométrico e à radiação o nome de Calor Negro. Décadas mais tarde essa região do espectro eletromagnético passou a ser chamada de Região Infravermelha e a radiação, de Radiação Infravermelha. Herschel publicou os resultados das suas experiências em um artigo para a Philosophical Transactions of Royal Society.
Princípios da termografia – Figura 1 – A experiência de Sir William Herschel
A seguir pode ver um vídeo sobre esta descoberta.
Princípios da termografia – Calor e temperatura
Calor é a transferência de energia de uma região para outra como resultado de uma diferença de temperatura entre elas. Essa energia origina-se da agitação das moléculas das quais a matéria é constituída e sua transferência se processa da região mais quente para a mais fria. O calor é, portanto, um fenómeno transitório, que cessa quando não existe mais uma diferença de temperatura.
Princípios da termografia – Figura 2 – Calor e temperatura
Se dois objetos estão em equilíbrio térmico com um terceiro objeto, então eles estão em equilíbrio térmico um com o outro. Em consequência disso, existe um certo atributo ou propriedade de estado que descreve os estados termodinâmicos dos objetos que estão em equilíbrio térmico um com o outro, e isto é denominado de temperatura.
Princípios da termografia – Modos de transferência de calor
Existem três modos de transferência de calor:
- Condução,
- Convecção
- Radiação
Todos os processos de transferência de calor ocorrem através de um ou mais desses três modos. A termografia infravermelha é baseada na medição do fluxo de calor por radiação e está, portanto, muito relacionada ao modo de transferência de calor por radiação.
Princípios da termografia – Figura 3 – Processos de transmissão de calor
Princípios da termografia -Condução
A condução pode ser definida como o processo pelo qual a energia é transferida de uma região de alta temperatura para outra de temperatura mais baixa dentro de um meio (sólido, líquido ou gasoso) ou entre meios diferentes em contato direto. Este mecanismo pode ser visualizado como a transferência de energia de partículas mais energéticas para partículas menos energéticas de uma substância devido a interações entre elas. A fonte de calor excita diretamente as partículas que transferem parte de suas energias a partículas vizinhas e essas por sua vez transferem a outras partículas. A intensidade do fluxo depende da condutividade térmica do material, sendo que metais têm alta condutividade térmica e isoladores têm baixa condutividade térmica.
A quantidade de calor por unidade de tempo através de uma chapa plana é representada pela figura e expressa pela lei de Fourier na Equação.
Princípios da termografia – Figura 4 – Chapa plana com a seta indicando a direção do fluxo de calor.
Na qual,
Q/Δt [J.s-1] é o fluxo de calor por condução.
k [J.s-1.m-1.K-1] é o coeficiente de condutividade térmica do material.
A [m2] é área da seção através da qual o calor flui por condução, medida perpendicularmente à direção do fluxo;
T2–T1 [K] é o gradiente de temperatura na seção.
L [m] é a espessura da seção.
O fator de proporcionalidade k (condutividade térmica) que surge da equação de Fourier é uma propriedade de cada material e exprime a maior ou menor facilidade que um material apresenta à condução de calor. Os valores numéricos de k variam em extensa faixa dependendo da constituição química, estado físico e temperatura dos materiais. Quando o valor de k é elevado o material é considerado condutor térmico e, caso contrário, isolante térmico. Em alguns materiais como o alumínio e o cobre, o k varia muito pouco com a temperatura, porém em outros, como alguns aços, o k varia significativamente com a temperatura. Nestes casos, adota-se, como solução de engenharia, um valor médio de k em um intervalo de temperatura.
A variação, para alguns materiais, da condutividade térmica com a temperatura é mostrada na figura.
Princípios da termografia – Figura 5- Variação da condutividade térmica com a temperatura.
A figura apresenta um exemplo de transferência de calor por condução.
Princípios da termografia – Figura 6 – Transferência de calor por condução da mão para a parede na DMC
A seguir pode ver um vídeo com um exemplo de condução de calor.
Princípios da termografia – Convecção
A convecção pode ser definida como o processo pelo qual a energia é transferida das porções quentes para as porções frias de um fluido através da ação combinada de: condução de calor, armazenamento de energia e movimento de mistura.
O óleo de transformadores e a água de sistemas de refrigeração são exemplos de fluidos que produzem arrefecimento convectivo. O ar, forçado ou não, que sopra os equipamentos de uma subestação é outro exemplo de fluido que pode afetar drasticamente a temperatura desses equipamentos.
Princípios da termografia – Figura 7 – Convexão num líquido em aquecimento
O calor transferido por convecção, na unidade de tempo, entre uma superfície e um fluido não possui uma equação simples, mas uma aproximação pode ser conseguida através da relação proposta por Isaac Newton:
Na qual,
Q/Δt [J.s-1] é o fluxo de calor transferido por convecção.
h [J.s-1.m-1.K-1] é o coeficiente de transferência de calor por convecção.
A [m2] é área de transferência de calor.
T1 – T2 [K] é a diferença de temperatura entre a superfície e o fluido.
O coeficiente de transferência de calor por convecção h dependente de vários fatores como: a orientação da superfície, tipo de fluido, velocidade do fluido e tipo de superfície.
Princípios da termografia – Radiação
A radiação pode ser definida como o processo pelo qual o calor é transferido de uma superfície de alta temperatura para uma superfície de temperatura mais baixa quando tais superfícies estão separadas no espaço, ainda que exista vácuo entre elas. A energia assim transferida é chamada radiação térmica e é feita sob a forma de ondas eletromagnéticas que viajam na velocidade da luz.
A transferência de calor por radiação é fundamento para a medição de temperatura através da termografia infravermelha, que deteta a radiação proveniente do objeto sob inspeção, mais especificamente a radiação infravermelha.
Princípios da termografia – Figura 8 – Aquecimento com recurso à radiação
Princípios da termografia – A radiação infravermelha
Todos os objetos acima do zero absoluto (0 K ou -273,16° C) emitem radiação térmica devido à agitação térmica de átomos e moléculas dos quais são constituídos. Quanto maior essa agitação, mais quente se encontra o objeto e mais radiação ele emite.
Princípios da termografia – O espetro eletromagnético
A radiação térmica pode ser emitida nas faixas de ultravioleta, visível, infravermelho e até na faixa de micro-ondas do espectro eletromagnético. Entretanto, para temperaturas típicas encontradas na Terra, a maior parte da radiação térmica é emitida dentro da faixa de infravermelho. Assim sendo, as câmaras de termografia são fabricadas com detetores que respondem a essa faixa do espectro.
A termografia deteta a radiação infravermelha emitida pelo objeto inspecionado, que é invisível ao olho humano, e a transforma em imagens térmicas visíveis, com a possibilidade de convertê-la em leituras de temperatura.
Dentro do espectro eletromagnético, a radiação infravermelha está localizada entre a região de radiação visível e a região de radiação de micro-ondas. Essas regiões são divididas arbitrariamente, dependendo dos métodos utilizados para produção e deteção da radiação.
Princípios da termografia – Figura 9 – Espectro eletromagnético
A radiação Infravermelha, assim como as radiações das diferentes regiões do espectro eletromagnético, basicamente obedecem às mesmas leis. Propagam-se em linha reta, refletem, refratam, são absorvidas, interferem, apresentam espalhamento de feixe, podem ser enfocadas e viajam, no vácuo, a uma velocidade de aproximadamente 3 x 108 m/s.
Princípios da termografia – Onda curta e onda longa
O espectro infravermelho pode ainda ser dividido em sub-regiões.
Os fabricantes de equipamentos de termografia infravermelha, denominam os equipamentos que trabalham na faixa de 8 µm a 14 µm de Ondas Longas (Long-Wave – LW) e equipamentos na faixa de 3 µm a 5 µm de Ondas Curtas (Short-Wave – SW).
Princípios da termografia – Figura 10 – Comprimentos de onda
Existe ainda a utilização dos termos, Infravermelho Refletido para radiações que vão de 0,75 µm a 1,2 µm e Infravermelho Térmico para radiações de vão além de 2 µm.
Princípios da termografia – O corpo negro
Gustav Robert Kirchhoff em 1860 propôs o termo Corpo Negro como sendo um corpo capaz de absorver toda radiação incidente, independente de seu comprimento de onda, sua direção de incidência e sua polarização. A radiação por ele emitida teria uma distribuição espectral dependente apenas de sua temperatura. Para tal corpo estar em equilíbrio termodinâmico, ele deveria irradiar energia na mesma taxa em que a absorve. Portanto, um Corpo Negro, além de ser um absorsor perfeito, é também um emissor perfeito.
Princípios da termografia – A Lei de Stefan-Boltzmann
Em 1879, Josef Stefan concluiu através de medidas experimentais que a quantidade total de energia irradiada por um Corpo Negro é proporcional à quarta potência de sua temperatura absoluta, mesma conclusão obtida por meios teóricos por Ludwig Eduard Boltzmann em 1884, resultando na Lei de Stefan-Boltzmann.
Princípios da termografia – Figura 11 – Lei de Stefan-Boltzmann
Princípios da termografia – Lei de Plank
O físico alemão Max Karl Ernst Ludwig Planck, em 1900, formulou uma teoria para explicar o comportamento da radiação emitida por Corpos Negros.
Max Planck, ao expor seu trabalho diante da Sociedade de Física de Berlim, apresentou uma fórmula concordante com os resultados experimentais introduzindo uma hipótese: o movimento térmico dos átomos e das moléculas, responsável pela geração das ondas eletromagnéticas, pode oscilar livremente em qualquer frequência, mas a emissão de radiação decorrente desta oscilação se dá de forma descontínua, ou seja, através de pulsos, chamados quanta e a energia emitida por eles é proporcional à frequência de oscilação das partículas, na forma:
E = h f⋅
Na qual, E [J] é a energia.
h [J.s] é a constante de Planck = 6,6260755 x 10-34 [J.s].
f [Hz] é a frequência da radiação.
Princípios da termografia – Figura 12 – A Lei de Planck, para radiação de corpo negro, exprime a radiância espectral em função do comprimento de onda e da temperatura do corpo negro.
A radiância total (Mb) de um Corpo Negro pode ser obtida integrando a fórmula de Planck sobre o comprimento de onda λ = 0 até o comprimento de onda λ = ∞.
Resultando em:
Mb = σT4
Na qual,
Mb [W.m-2] é a radiância total.
σ [W.m-2.K-4] é a constante de Stefan-Boltzmann = 5,67051 x 10-8 [W.m-2.K-4].
T [K] é a temperatura absoluta.
Graficamente, a radiância total (Mb) representa a área abaixo da curva de Planck para uma temperatura específica. A Figura mostra a radiância total do Corpo Negro (Mb) em uma dada temperatura (T).
Princípios da termografia – Figura 13 – Radiância total do Corpo Negro (Mb) em uma dada temperatura.
Princípios da termografia – Leis da radiação para emissores reais
As leis de radiação descritas até o momento referem-se apenas ao Corpo Negro. Os objetos do mundo real não seguem essas leis em grande parte do espectro, embora possam se aproximar do comportamento de um Corpo Negro em certos intervalos de comprimentos de onda.
A radiância de objetos reais é menor que a de um Corpo Negro e é necessário caracterizar algumas propriedades radiativas de tais objetos.
Existem duas relações entre as propriedades radiativas dos materiais que são muito importantes. A primeira é a que relaciona absorbância, refletância e transmitância no balanço da energia radiativa, e a segunda é a lei de Kirchhoff que relaciona absorção e emissividade.
Um corpo real quando atingido por uma radiação pode apresentar os seguintes fenómenos:
- Uma fração da radiação incidente pode ser absorvida α.
- Uma fração da radiação incidente pode ser refletida ρ.
- Uma fração da radiação incidente pode ser transmitida τ.
Princípios da termografia – Figura 12 – Representação gráfica da radiação incidente em um objeto real e as possíveis frações de radiação absorvida (αλ), refletida (ρλ) e transmitida (τλ).
A intensidade desses fenómenos depende do comprimento de onda da radiação incidente, portanto:
- A absorção espectral αλ é a relação da energia espectral absorvida por um corpo pela radiação incidente sobre ele.
- A reflexão espectral ρλ é a relação da energia espectral refletida por um corpo pela radiação incidente sobre ele.
- A transmissão espectral τλ é a relação da energia espectral transmitida por um corpo pela radiação incidente sobre ele.
A soma dos três coeficientes αλ, ρλ e τλ para um mesmo comprimento de onda λ, resulta na radiação total:
αλ + ρλ + τλ = 1
A figura mostra a radiação incidente em um objeto real e as possíveis frações de radiação absorvida (αλ), refletida (ρλ) e transmitida (τλ).
Para objetos opacos, τλ = 0 e a relação simplifica-se para:
αλ + ρλ = 1
Princípios da termografia – A emissividade
Uma outra propriedade chamada de emissividade (ε) descreve a fração da radiância produzida por uma superfície qualquer em relação com a produzida por um Corpo Negro à mesma temperatura. Logo a emissividade espectral (ελ) é a relação da radiância espectral de uma superfície pela radiância de um Corpo Negro à mesma temperatura e comprimento de onda:
De modo geral, existem três tipos de fontes de radiação, caracterizados pelo modo como a radiância espectral varia com o comprimento de onda:
- Corpo Negro, para o qual ελ = ε = 1.
- Corpo cinza, para o qual ελ = ε = constante e menor que 1.
- Radiador seletivo, para o qual ε varia com comprimento de onda.
As curvas da distribuição espectral e a emissividade espectral dessas três fontes de radiação são apresentadas nas Figuras a seguir.
Princípios da termografia – Figura 15 – Radiância espectral dos três tipos de fontes de radiação.
Princípios da termografia – Figura 16 – Emissividade espectral dos três tipos de fontes de radiação.
De acordo com a lei de Kirchhoff, a capacidade de um corpo em absorver energia incidente em um determinado comprimento de onda λ é equivalente à capacidade deste corpo em emitir energia no mesmo comprimento de onda.
Para uma melhor compreensão, considere um objeto opaco que está em equilíbrio térmico. Sua temperatura permanece constante e, de acordo com a lei de Kirchhoff, para que isto aconteça a radiação emitida deve estar balanceada com a radiação absorvida. Por outro lado, se a radiação emitida é maior que a radiação absorvida o objeto se resfriará. Se a radiação absorvida for maior do que a radiação emitida o objeto se aquecerá.
A capacidade de uma superfície, em emitir e absorver radiação em um determinado comprimento de onda, está relacionada à emissividade espectral, sendo que superfícies com alta emissividade têm maior capacidade em emitir e absorver radiação.
Princípios da termografia – Fatores que afetam a emissividade
Os principais fatores que afetam a emissividade são:
- Tipo de material,
- Rugosidade da superfície,
- Estrutura física e química
- Espessura do material.
Princípios da termografia – Efeito cavidade
Cada vez que a radiação é refletida, sua intensidade I é reduzida pela refletância ρ de sua superfície. Se a radiação é refletida N vezes, a intensidade resultante é:
I = Io ⋅ρN
Na qual,
I [W.s-1] é a intensidade final.
Io [W.s-1] é a intensidade inicial
N é o número de vezes que a radiação é refletida.
Múltiplas reflexões têm um enorme efeito na intensidade refletida. Esse fato, conhecido como “efeito cavidade”, funciona como um meio de aumentar a emissividade de superfícies de baixa emissividade como é ilustrado na Figura.
Princípios da termografia – Figura 13 – Radiação incidindo em uma superfície de baixa emissividade.